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Apontamentos sobre o contexto da Dança no Rio Grande do Sul
2001
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[...] João Luiz Rolla, iniciou seus estudos com Toni Petzhold em 1939 e montou sua própria escola em 1964. Como coreógrafo, suas obras, na década de 60, foram marcadas pela inovação e ousadia. Formou profissionais ativos como [...] Carlota Albuquerque, coreógrafa, professora e atual diretora da Cia. Terpsí – Teatro de Daça de PoA. Em 1990 a Terpsí participou do Carlton Dance Festival, importante mostra de dança internacional hoje extinta. Tal fato contribuiu para a abertura de novas portas às companhias de dança brasileiras na participação em festivais internacionais de dança, somando um afluente no percurso da dança gaúcha.
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Autoras: Gisele Kliemann Pacheco e Jussara Xavier
Fonte: BRITTO, Fabiana Dultra. (org.) Cartografia da dança: criadores-intérpretes brasileiros. São Paulo: Itaú Cultural, 2001. p. 33.
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Nelson Rodrigues dramatizado em profundidade
28/07/2006
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Muitas e muitas vezes Nelson Rodrigues já foi encenado. Muitas e muitas vezes Nelson Rodrigues já foi dançado. Assim, à primeira vista, poder-se-ia imaginar: é mais um espetáculo de dança baseado em Nelson Rodrigues. Mas Mulheres Insones é um pouco mais do que isso. É, de certo modo, um espetáculo definitivo. A partir das sugestões retiradas dos textos de Senhora dos Afogados, Álbum de Família, Anjo Negro, Dorotéia, Vestido de Noiva e Valsa nº 6, o diretor Décio Antunes e a coreógrafa Carlota Albuquerque criaram um espetáculo inesquecível. Não se trata de destacar um ou outro aspecto do trabalho que vem sendo apresentado no Museu do Trabalho, mas sim, de avaliar e elogiar e saudar o espetáculo como um todo, em que nenhuma parte pode ser esquecida, porque senão, ele não seria exatamente o que é.
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Comecemos pela escolha do local. O Museu do Trabalho é considerado por muitos um lugar mais o menos marginalizado, por sua localização, por sua aparente pobreza, etc. Pois Décio Antunes e Carlota Albuquerque souberam retirar de todos esses senões justamente as qualidades do espaço: sua potencialidade infinita para aceitar e concretizar qualquer idéia, qualquer espaço, qualquer tipo de espetáculo, por mais ousado quem fosse, como esse, literalmente tridimensional. Assim é que, por vezes, temos três a quatro ações simultâneas, nos praticáveis aéreos, nos diferentes espaços terrestres, nas portas entreabertas, nos montes de areia, etc. E isso nos dá uma multiplicidade de aspectos da obra de Nelson Rodrigues, como se estivéssemos a lhe descobrir, via personagens, suas múltiplas faces.
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Depois, a cenografia propriamente dita, de autoria de ambos os diretores, e mais Félix Bressan, que tem enorme prática em cenários incomuns em espaços amplos e abertos, como nesse caso. Valeu tudo: camas velhas desmontadas, areia aos montes, praticáveis sustentados por longas barras de ferro, até mesmo um piano em cena, que é executado magistralmente por Karin Engel (e que refere a peça Valsa nº 6, naturalmente, que, aliás, é interpretada em determinado momento; além de adereços inusitados como as pás, que são aproveitadas, em diferentes momentos, para a exacerbação do ritmo do trabalho. Depois, o figurino de Daniel Lion, ao mesmo tempo sensual (por suas sugestões) mas recatado (garantindo que não houvesse nudez gratuita). A iluminação de Guto Greca é precisa, eu diria milimétrica, pois ilumina estritamente o que é necessário, valorizando-se, assim, e o intérprete. As esculturas corporais de Bruno Teixeira e Félix Bressan, colocadas sobre Ângela Spiazzi em certo momento do espetáculo, lembram ficção científica e, ao mesmo tempo, filmes de terror. A trilha sonora de Flávio Oliveira é carinhosa, sensível e cuidadosamente escolhida, indicando os temas e os climas, desenvolvendo-os, comentando-os, ampliando-os, realizando, enfim, o elo de ligação entre o texto que inspirou a cena e a sua dramatização visual. Aliás, o cuidado é tão grande que as passagens do piano ao vivo para o piano gravado na trilha sonora são quase imperceptíveis não fora a ausência da pianista de seu instrumento.
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Dentre as intérpretes, não se ode nem se deve destacar nenhuma. Evidentemente Angela Spiazzi é mais citada porque, de certo modo, é a solista do espetáculo. É em torno dela que todas as demais ações giram. Mas Gabriela Greco e Naiara Harry (atrizes), ao contracenarem com as bailarinas Gabriela Peixoto, Joana do Amaral e Tânia Baumann, nada ficam devendo umas às outras: as atrizes se revelam boas bailarinas e as bailarinas ótimas atrizes.
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Escolher temas de Nelson Rodrigues a partir de suas peças é sempre uma operação aleatória. Qualquer obra que seja escolhida serve. Qualquer trecho que seja preferido sugere algo. Qualquer passagem que destaquemos nos tem algo a dizer e se relaciona umbilicalmente com todo o restante da obra do dramaturgo. Por tudo isso, a escolha de Décio Antunes e Carlota Albuquerque foi especialmente feliz. Aleatória, a escolha foi precisa, cirurgicamente separada do todo, mas mantida em relação com aquele todo de onde adveio. Sensualidade, dramaticidade, ambigüidade, todos os sentimentos e todas as experiências puderam ser descobertas nesta espetáculo de pouco mais de uma hora de duração, mas que é literalmente visceral, até mesmo pelos riscos físicos em que coloca as intérpretes, bastando que se observe as diferentes bandagens aplicadas sobre seus braços e pernas. Espetáculo imperdível, um dos melhores, desde logo, desta temporada de artes cênicas em nossa cidade.
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Autor: Antonio Holfeldt
Fonte: Jornal do Comércio
Obs.: com correções
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Começando o ano com Dança – II
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[...] As garotas do Terpsí são perfeitas. A criação de Carlota Albuquerque é admirável. Unindo a tradição do teatro à dança, no caso sob a inspiração de Beckett, Quem é? torna-se uma experiência visual e cenicamente impressionante por sua dramaticidade e a ousadia de seus gestos, compondo um quadro contemporâneo magnífico.
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O conjunto de intérpretes é um coletivo uníssono, e a coreografia amplia suas dimensões na cenografia admirável, móvel e inteligente de Paulo Azevedo. As figuras debatem-se nos figurinos de Leta Etges e a iluminação de Marga Ferreira e Clara Luz extraem resultados fascinantes do espaço cênico. Em resumo, o Terpsí nos toca, emociona e entusiasma. Seu retorno deve, por isso mesmo, ser antes de mais nada, a reafirmação da necessidade de sua existência. E nós, o público, lhe ficamos profundamente agradecidos. Afinal, na planície, a duna se afirma: pela dimensão, pela mobilidade, pela novidade, mas, sobretudo, pela seriedade.
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Autor: Antonio Holfeldt
Obs.: com correções, 198?
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As mulheres de Nelson Rodrigues
27/07/2006
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O diretor Decio Antunes e a coreógrafa Carlota Albuquerque juntaram esforços para produzir uma peça de “teatro coreográfico”. Com base em personagens femininas de Nelson Rodrigues, o espetáculo Mulheres Insones, em cartaz no Teatro do Museu do Trabalho, em Porto Alegre, tem um elenco formado por bailarinas e atrizes. A cenografia é de Antunes e de Carlota em parceria com o artista plástico Felix Bressan.
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O conceito do “teatro coreográfico” foi introduzido pelo coreógrafo de origem austríaca Johann Kresnik, em 1967, no cenário da dança-teatro alemã, em que figuravam também criadores do porte de Pina Bausch. Kresnik trabalhou com peças de Brecht, Heiner Müller e Peter Weiss, produzindo espetáculos de forte acento político.
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Entrelaçando a linguagem do teatro e da dança, Mulheres Insones utiliza o gênero para expressar os desejos inconscientes e os universos oníricos das personagens, retiradas das peças míticas e psicológicas de Nelson Rodrigues. [...]
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Fonte: Revista Aplauso
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Terpsí dança em nome do Brasil
O grupo gaúcho Terpsí (nome que deriva de Terpsichore, a musa da dança e da poesia para os gregos) será um dos dois representantes brasileiros no Carlton Dance Festival deste ano, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. O Festival acontece de meados de março a início de abril. Quinta-feira, houve o lançamento num coquetel para participantes, realizado no Rio.
1990
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Apesar de existir há três anos, o grupo porto-alegrense Terpsí Teatro de Dança ainda não tinha experimentado, até a semana passada, o sabor do pleno reconhecimento. Mas alguns críticos do centro do país que no final de 89 estiveram no Dança, Porto Alegre, no Theatro São Pedro, guardaram as melhores impressões sobre a coreografia Quem é?, apresentada por seus oito integrantes. A resposta ao bom desempenho veio dias atrás, com o convite ao Terpsí para representar o Brasil no 4º Carlton Dance Festival, junto com um grupo carioca dirigido pelo espanhol Victor Navarro.
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Patrocinado pela Companhia de Cigarros Souza Cruz, o Carlton Dance é um festival internacional, realizado anualmente em três capitais e com a participação de dois grupos brasileiros. O Terpsí irá dançar no dia 24 de março em Belo Horizonte, dia 26 no Rio de Janeiro e dia 1º de abril em São Paulo, sempre em sessões compartilhadas com o Alwin Nikolais, dos Estados Unidos. A coreografia a ser mostrada será de novo Quem é?, onde são trabalhadas as sensações humanas quando alguém (esperado ou não) bate à porta.
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Essa coreografia foi criada para homenagear o dramaturgo Samuel Beckett no espetáculo A Morte Impossível, e consolidou, em 89, a união profissional de Carlota Albuquerque e Eneida Dreher. Carlota é coreógrafa e diretora geral do Terpsí e Eneida, assistente de direção. As duas foram também fundadoras do extinto Grupo Terra, que marcou época no Rio Grande do Sul.
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FÁBULA – Carlota e o restante do elenco sabem apenas que a indicação do Terpsí ao Carlton Dance Festival foi formalizada por Sheila Costa, uma das organizadoras da promoção e que também esteve presente ao Dança, Porto Alegre em 88. Mas ninguém do grupo ainda conhece pessoalmente. “Ela é uma fábula para nós”, brinca Carlota. A chance de ingressar num festival de porte internacional não deixa, na verdade, de ser fabulosa para um grupo que até aqui vem sobrevivendo de seus próprios integrantes. Além de dançar, eles se responsabilizam também pela parte braçal do trabalho. Quando Quem é? Foi montado, por exemplo, os figurinos do espetáculo foram criados e confeccionados por Leta Etges, uma das componentes do Terpsí.
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Agora, para levá-lo ao Carlton Dance, há outra dificuldade à vista: conseguir 8 mil 650 BTNs (NCz$ 14.700, hoje) para construir um novo cenário. Por enquanto, não há um centavo em caixa e as várias empresas solicitadas a colaborar se negaram, argumentando que não podem correr riscos enquanto não houver definições das mudanças econômicas pelo governo Collor. “O empresariado prefere investir no over a aplicar dinheiro em cultura”, queixa-se a diretora de produção do Terpsí, Rosane Severo.
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EMOÇÕES – Antes dela assumir essa função, no final do ano passado, tanto a produção como a divulgação das atividades do grupo eram feitas por amigos, gratuitamente. Com a tarefa nas mãos, Rosane utiliza a infra-estrutura da Fama Comunicações, empresa de propriedade das cantoras Elaine Geissler e Cynthia Garay (do Canto livre), para quem ela também trabalha como produtora.
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Embora seu elenco fixo seja composto só de mulheres, o Terpsí não é um grupo feminista, como Rosane faz questão de frisar. Essa particularidade é uma obra do acaso, que garantiu, no entanto, perfeita identificação com a natureza feminina no espetáculo As Quatro Estações, o primeiro realizado pelo Terpsí Teatro de Dança, em 87, no Teatro Renascença. O universo da mulher foi interpretado numa temática intimista, com a proposta de valorizar na coreografia, de modo especial, as emoções. Esta mesma preocupação marcou igualmente os trabalhos que vieram depois – As Três Parcas, Retrato V e Quem é?.
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Esta última coreografia exige uma presença masculina, preenchida pela atuação do bailarino Geraldo Lachini. Os outros nomes do elenco são Angela Spiazzi, Betine Alves, Cynthia Cveigorn, Cynthia Flach, Sandra Sachs, Sílvia Silva e Suzana Schoellkopf. A cenografia é de Paulo Azevedo; a iluminação, de Marga Ferreira e Clara Luz; a cenotécnica, de Jessé James; a contra-regra, de Carlos Meneguello e Dino Gomes; e a montagem e mixagem de áudio, de Murilo assenato.
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Autor: Rui Roberto Felten
Fonte: Jornal Zero Hora, 2º Caderno
Obs.: com correções
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Na ponta dos pés
O Terpsí conquista sua noite no Carlton Dance
14/03/1990
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A presença do Terpsí Teatro de Dança, no próximo Carlton Dance Festival deverá, no mínimo, sensibilizar os pais da bailarina Sílvia Silva, de 20 anos, da importância da carreira abraçada pela filha. Até agora eles estiveram irredutíveis em seus sonhos de ver a filha em uma carreira mais estável. “Vivem me perguntando por que que eu não faço concurso para a Caixa Econômica”, brinca a ex-futura bancária. Na verdade, a repercussão do convite para dançar no Carlton (dia 24 no Palácio das Artes em Belo Horizonte, dia 26 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e 31 e primeiro de abril no Municipal de São Paulo) ao lado de grupos como Alwin Nikolais and Murray Louis Dance Company, David Gordon’s Pick Up Company, Bill T. Jones/Arnie Zane Dance Company e outras grandes companhias internacionais, já foi mais além: o Terpsí acaba de fechar contrato de patrocínio com a empresa gaúcha Taurus, fabricante de armas, e a Riocell, responsáveis, respectivamente, pelos cenários e custos de mídia do espetáculo Quem é?, que será mostrado no festival.
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Quem é?, também, será uma pergunta bastante repetida pelos aficionados da dança no centro do país após a apresentação do grupo. Embora já conte com boa parte da crítica especializada no rol de seus admiradores o Terpsí existe há muito pouco tempo para que já tenha solidificado sua popularidade fora do Rio Grande do Sul: surgiu em junho de 87, com As Quatro Estações, no Teatro Renascença. Apesar do nome, a montagem pouco tinha que ver com Vivaldi. As Quatro Estações, no caso, representavam diversas fases da vida de uma mulher – Helena Katz, de O Estado de S. Paulo, por exemplo, não esconde seu entusiasmo ao afirmar que “é maravilhoso ter um grupo assim em Porto Alegre ou em qualquer lugar”.
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A temática feminina – que em abril de 1988 se repetiria em As Três Parcas, numa alusão às divindades gregas encarregadas de tecer o destino dos seres humanos – não é por acaso. Formado e dirigido apenas por mulheres – a participação especial do bailarino Geraldo Lachini, que também irá ao Carlton, é uma exceção – o Terpsí não pode nem quer fugir desta característica. Basta saber que seu nome se originou de Terpsichore, a musa grega da dança. A coreógrafa Carlota Albuquerque divide a direção com Eneida Dreher – as duas pertenceram ao Grupo Terra -, e não tem pudores ao definir sua linha de trabalho parodiando uma frase ouvida de outro diretor: “Nós somos democráticas, mas eu sou uma ditadora”, brinca. [...]

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Fonte: Revista Veja Rio Grande do Sul
Obs.: com correções